quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

A CIRCUNCISÃO DO CORAÇÃO


FILIPENSES 3: 1-3

INTRODUÇÃO

Somos claramente advertidos na Palavra de Deus que para todas as operações do Espírito Santo no coração dos seres humanos há uma falsificação sustentada pela falsa religião. O coração do homem é sempre propenso ao engano. E, poucas coisas o mantém mais afastado da verdadeira religião do que a falsificação espiritual que é sustentada pela falsa religião através dos seus mestres. Que armadilha infernal: homens aparentemente de um nível de espiritualidade acima dos demais a ensinar o erro!
Esta passagem da carta aos filipenses nos mostra o apóstolo Paulo lidando com o problema da falsa transformação de coração patrocinada pela falsa religião. No verso primeiro ele menciona a necessidade de repetir certas verdades que anteriormente havia ensinado. Seu argumento era o de que certas doutrinas precisam ser regularmente trazidas à memória da igreja. A razão desse ensino mediante repetição é clara. Trata-se de algo bom para a segurança da igreja. Certas doutrinas costumam ser objeto dos ataques mais diretos das trevas. E, devido ao valor destas mesmas doutrinas, nunca é demais que o pastor desfaça equívocos relacionados à compreensão dessas mesmas doutrinas e trate de reapresentar as verdades essenciais da fé no propósito da igreja permanecer firme na verdade.
A fonte do falso ensino é mencionada. Falsos mestres estavam induzindo pessoas a serem demovidas da verdadeira vida cristã. Ele chama esses homens de cães devido a sua tendência a comer o que é imundo, ferocidade e insensatez. São avaliados como maus obreiros devido ao fato de estarem imiscuídos no trabalho de ensino da igreja, contudo, sem atingirem o alvo de levar à igreja a maturidade e alegria através do ensino correto. William Hendriksen fala dos estragos produzidos por estes falsos mestres: “Em vez de ajudar a boa causa, o que fazem é prejudicá-la, destruí-la. Afastam a atenção de Cristo e sua perfeita redenção, e a fixam em um ritual caduco, em méritos e conquistas humanas, insistindo em sua perpetuação e aplicação”.
[1]
O apóstolo Paulo especifica os erros doutrinários destes homens. Eles são chamados de adeptos da corrente da falsa circuncisão. Falsos mestres que ensinavam que se um gentio não guardasse as leis cerimoniais judaicas não seria salvo. Exigiam das pessoas o que Deus não estava exigindo delas. Em suma, não haviam compreendido que a chegada de Cristo representa para a humanidade o início de uma nova fase da relação de Deus com os seres humanos. Tudo agora é mais simples, espiritual e belo. A tendência ao legalismo representava um fardo desnecessário que estava sendo colocado sobre os ombros dos homens e a criação de uma cultura religiosa mais cerimonialista do que viva, mais externa do que de coração, mais preocupada com tradição religiosa do que com Deus e a sua palavra.
O apóstolo Paulo não apenas os ataca frontalmente, mas trata de elevar a verdade de tal forma que todos pudessem vê-la. No verso três ele descreve a essência da verdadeira obra de novo nascimento. Não se trata de qualquer coisa que não seja uma circuncisão no coração que deixa uma cicatriz eterna na alma humana. Esta mensagem não era de uma certa forma nova. O antigo Testamento já havia falado nos mesmos termos (Lv 26:41; Dt 10:16; 30:6; Jr 4:4; Ez 44:7; Jr 6:10). Em que consiste, portanto, o autêntico novo nascimento?

DOUTRINA: A VERDADEIRA OBRA DE NOVO NASCIMENTO SÓ OCORRE QUANDO O CORAÇÃO HUMANO RECEBE O CORTE DE DEUS.

PERGUNTA-CHAVE: QUAIS AS PRINCIPAIS EVIDÊNCIAS DE QUE UM SER HUMANO TEVE SEU CORAÇÃO CORTADO POR DEUS?

1. ADORAÇÃO DE DEUS NO ESPÍRITO.

Observe que o cristianismo não começa com moralidade. Sua preocupação precípua não é de natureza comportamentalista. Seu objetivo não é o de formar adeptos de uma ética fria. Tudo começa com a relação do homem com o seu Criador. A ética cristã não conhece boa obra que não esteja conscientemente vinculada ao ser de Deus: “De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam”.
[2]
Sendo assim, o primeiro sinal de que um coração foi circuncidado por Deus é essa afeição santa plena de amor por Deus. A obra imediata da graça na vida de um homem é o fascínio pelo ser de Deus.
Tal obra resulta de uma ação do Espírito através da qual o ser humano passa a ter Deus como amável. Seus atributos passam a ser contemplados a partir da consideração de cada um per si, e, da relação harmoniosa de uns com os outros. Causa espanto ao crente ver como que virtudes tão diferentes podem ser encontradas de modo perfeito em absoluta harmonia numa mesma pessoa. Justiça e graça. Santidade e misericórdia. Majestade e condescendência. Onipotência e mansidão.
Um senso de maravilha é estabelecido na alma quando o crente toma consciência do fato de que este que é completamente amável se afeiçoou por um pecador, tornando-o filho amado e perdoado de modo justo.
Esta adoração é inteligente. O crente é capaz de apresentar para si mesmo as razões do seu amor por Deus. De igual modo trata-se de um movimento da alma espontâneo. O Espírito Santo conduz o coração do crente ao amor pelo Pai. Conforme diz Martyn Lloyd-Jones: “... adorar a Deus pelo Espírito significa que nós não temos que forçar a nós mesmos para adorá-lo, mas estarmos cônscios de sermos movidos, e sendo levados, para a adoração”.
[3]

2. GLORIFICAÇÃO EM CRISTO.
A verdadeira vida cristã é Trinitariana. É a adoração ao Pai, no Espírito e por meio de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. As três pessoas da Trindade estão claramente reveladas no texto. Um destaque, contudo, é dado ao Senhor Jesus. O apóstolo Paulo fala sobre uma exultação orgulhosa que resulta do conhecimento salvífico da pessoa de Cristo.
Há pessoas que se gloriam do seu caráter. Outras da sua nacionalidade. Sabemos de muitas que são orgulhosas do seu nível social. Existem aquelas que se vangloriam de sua capacidade intelectual. O apóstolo Paulo menciona o único motivo para uma pessoa nesta vida se gabar: conhecer o Senhor Jesus Cristo. O crente não apenas crê em Cristo. Ele exulta na pessoa do Salvador (Jr 9: 23-24).
O crente exulta na pessoa do Salvador pelos seguintes motivos:
- Em Cristo o crente tem uma demonstração cabal do amor de Deus.
- Em Cristo o crente tem o perdão justo de Deus.
- Em Cristo o crente tem a proteção de Deus.
Martyn Lloyd-Jones faz o seguinte comentário sobre o lugar de Cristo na vida cristã: “Para mim, o grande teste que diferencia aqueles que são cristãos daqueles que não o são é o lugar de Cristo em suas vidas. Ele é central, Ele é essencial, Ele é absoluto?”
[4]
O crente é alguém capaz de falar da sua salvação. Expressar a certeza da obtenção da redenção eterna. Mas, jamais faz estas coisas sem considerar Cristo. Em Cristo ele debocha da morte, rasga a lei, desdenha do inferno, diz: “cala-te!” à sua consciência, expulsa o Diabo e ergue a cabeça esperando a chegada do dia da sua perfeita salvação. Trata-se de alguém livre! Livre da tirania de tentar comprar o amor de Deus.
Por isto o crente exulta. Confiando mais na misericórdia de Cristo do que na sua inocência ele ousa afirmar que todas as exigências da lei concernentes à sua vida já foram satisfeitas por Cristo. Em Cristo a exigência quanto ao pagamento do pecado já foi cumprida. Em Cristo a exigência quanto à obediência a lei com vistas à obtenção da vida eterna já foi alcançada.

3. CORAÇÃO HUMILDE.
A circuncisão do coração não apenas permite ao homem ter uma visão correta do Criador, mas uma visão correta de si mesmo também. O apóstolo Paulo afirma que o regenerado é alguém que não confia na carne.
Não confiar na carne significa:
- Saber que nossas melhores ações vêm sempre acompanhadas de imperfeição.
- Entender que nenhuma boa obra pode apagar a dívida proveniente dos pecados anteriormente praticados.
- Crer que se Deus tiver que salvar o homem será por um ato de pura graça.
Guilhermo Hendriksen define o ato de confiar na carne da seguinte forma: “Em termos gerais, a carne é qualquer coisa fora de Cristo na qual alguém baseia sua esperança de salvação”.
[5]
Um homem pode tentar se aproximar de Deus confiando na carne. Isto significa que esta mesma pessoa julga que é suficientemente justa para recomendar sua alma ao Deus Santo. Ela confia na carne. Nos seus esforços, orações, vigílias, jejuns, dízimos, sacrifícios, nacionalidade, pedigree religioso e justiça própria.
O coração que recebeu a marca do corte do Espírito Santo não ousa se aproximar de Deus sem mencionar o nome de Cristo. Sua confiança não está na carne, mas em Cristo. Em outras palavras, esta pessoa é humilde de espírito (Mt 5:3).

APLICAÇÃO

1. TRAGA À SUA MEMÓRIA REGULARMENTE AS VERDADES CENTRAIS DO CRISTIANISMO.
Não pense que você já conhece o suficiente do evangelho. Ou, que uma vez que certas verdades tenham sido apresentadas a você, não há mais necessidade de sobre elas meditar novamente.
Deixe o pregador tocar em certos temas regularmente. É segurança para sua alma lembrar-se frequentemente dos termos da nova aliança.
Faça um auto-exame intelectual do seu cristianismo. Você crê nestas doutrinas? Está disposto a morrer por elas? Será que há alguma centelha de humanismo na sua teologia? Sua religião é a da graça somente?

2. PROCURE SER SALVO DA RELIGIÃO.
Cuidado com religião. O maior inimigo da verdadeira fé chama-se religião. Lembre-se que Satanás tem seus obreiros. Não espere encontrá-los sempre negando a verdade abertamente. Isto seria muito alarmante! Ele o afastará da verdade mediante seus acréscimos. Ele não procurará mantê-lo afastado da palavra Cristo, mas do Cristo real.
Submeta todos os modelos de espiritualidade ao padrão do Novo Testamento. Em especial ao teste da graça. Na nova aliança trazida por Cristo a doutrina é a graça e a ética é a gratidão!
Fuja dos acréscimos da religião. Quando alguém lhe propuser fazer alguma coisa em nome da religião, pergunte-lhe a seguinte coisa: “de que página das Escrituras Sagradas você tirou este mandamento?” Lembre-se que existe uma liberdade de consciência na Bíblia que diz respeito não apenas aos rudimentos deste mundo oriundos do paganismo, mas uma liberdade referente aos rudimentos do próprio Antigo Testamento. Fique com o Antigo Testamento naquilo que ele é compatível com os termos estabelecidos pela aliança no sangue de Cristo.

3. SIGA O PADRÃO DE ESPIRITUALIDADE DA NOVA ALIANÇA.
Estas são as marcas do verdadeiro cristianismo: adoração a Deus, exultação em Cristo e humildade. Fuja de todo modelo de espiritualidade que o mantenha entretido com as tolices da religião, enquanto você permanece esquecido das porções mais importantes da vontade revelada de Deus para sua vida.
Em meio a tudo o que você tem feito em nome da fé, é capaz de dizer que adora a Deus? É natural em sua vida louvá-lo? Ele lhe é amável? Olhar para Ele produz senso de maravilha no seu coração? Sua vida tem sido uma liturgia? Qual o lugar de Cristo no seu conceito de cristianismo? Você se gaba de conhecê-lo? Compreende que Ele é o único motivo para sua exaltação? Ele é a sua estrela da manhã?
Você tem procurado a humildade de coração? Sua maior tristeza é a percepção que ainda há muito orgulho no seu coração?
Enfim, há simetria em seu cristianismo? Há exultação junto com humildade de espírito? Alegria com temor?

4. SUBMETA-SE A UM AUTO-EXAME A FIM DE SABER SE SEU CORAÇÃO JÁ RECEBEU O CORTE DO ESPÍRITO SANTO.

Uma das áreas da vida espiritual do homem onde a falsificação tem se tornado mais presente e produzido resultados mais prejudiciais é a área da adoração. Na perspectiva de ganhar o favor de Deus os seres humanos tem se submetido às práticas espirituais mais insensatas e profundamente reveladoras de um conceito de Deus que não pode ser resultado de um conhecimento verdadeiro da verdade. Senão, vejamos: que Deus é esse que exige do homem o que avilta a este e torna sua vida inviável? Por que Deus haveria de pedir ao homem que este se afligisse a fim de comprar sua bondade? Podemos conceber a idéia de um Deus santo se satisfazer com velas acesas, peregrinações a lugares supostamente santos a fim de ali encontrá-lo de um modo que ele não poderia ser encontrado em outro lugar? O que falar de todo o trabalho de pessoas que suam a fim de impressioná-lo? Examine, pois, o seu conceito de Deus.
Muitos tornaram-se presunçosos. Sentem-se satisfeitos com suas conquistas religiosas. Confiam na carne. Mas, ninguém entrará no reino de Deus se não se humilhar. Os regenerados não confiam em si mesmos, mas em Cristo. Examine, pois, seu conceito de si mesmo.
Sabemos de pessoas que estão presas a uma religiosidade formal. Não há paixão. Não há a compulsão do Espírito. Muito envolvimento da carne, e pouco envolvimento do coração. A carne até mesmo literalmente ferida, mas sem a ferida santa do coração. Igrejas com liturgia impressa em papel, mas sem liturgia impressa no coração. Cultos com muita energia humana, mas sem atividade divina. Examine, pois, seu conceito de vida cristã.

CONCLUSÃO
Se existe uma coisa que podemos chamar de verdadeira transformação de vida, só pode ser esta que é preconizada pelo apóstolo Paulo. Lá estavam os judeus circuncidando a carne, imersos numa espiritualidade formal e caracterizada por uma preocupação com aquilo que não preocupa a Deus.
Deus estava chamando os crentes da cidade de Filipos a se preocuparem com aquilo que preocupava a Deus. A fugirem de toda a formalidade religiosa a fim de buscarem o culto no Espírito. A exultarem não em desempenho religioso, mas na graça trazida por Cristo. Em fazendo assim, estariam evidenciando que seus corações já haviam sido circuncidados por Deus.
Nele também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo; tendo sido sepultados juntamente com ele no batismo, no qual fostes igualmente ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos”.
[6]


@Antonio Carlos Costa
Igreja Presbiteriana da Barra
Rio, 10 de novembro de 2006.

[1] HENDRIKSEN, Guillhermo. Filipenses Comentario del Nuevo Testamento. Grand Rapids: Subcomision Literatura Cristiana, 1989. p. 169.
[2] Hb 11:6
[3] LLOYD-JONES, Martyn. The Life of Joy and Peace. Grand Rapids: Baker Books, 1999. p. 262.

[4] Ibid., p. 270.
[5] HENDRIKSEN, Guillhermo. Filipenses Comentario del Nuevo Testamento. Grand Rapids: Subcomision Literatura Cristiana, 1989. p. 172
[6] Cl 2:11-12

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